domingo, 5 de abril de 2020

Quarentena

Ontem os cachorros
não latiram,
E os passáros 
não cantaram.
Hoje o rádio já não sintoniza
uma estação, 
E da minha janela não se vê
Passar um carro.


Hoje o meio-dia pareceu
uma hora qualquer,
E os dias da semana se confundiram
num só.


Amanhã, na TV, o chiado
da velha notícia
E na internet, uma nova
histeria surgirá.


Ontem… Hoje… Amanhã…
Perdemos tempo,
E perderemos para o Tempo.


Ontem… Hoje… Amanhã…
E sempre!


Ontem seu sorriso era mais vívido
no meu pensar.
Hoje a sua voz não é mais tão clara
como cristal.


Mas amanhã, querida…
Amanhã o tempo me dirá.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Eu e você





Marcos se virava de um lado para o outro da cama. Estava abafado, sabe? Muito abafado mesmo. Seu ventilador barulhento tentava aliviar o calor sem sucesso, tudo que ele vazia era cuspir um vapor quente e desconfortável. Marcos parou de revirar e ficou sentado na cama, olhando com tristeza para onde estava seu ar-condicionado quebrado. Houve dias em que o calor não estava tão insano e ar estava lá, presente em sua vida, lhe proporcionando momentos gelados de prazer. Mas não hoje, não nessa noite infernal. 

Marcos resolveu se levantar, era melhor do que ficar se revirando na cama igual hambúrguer na chapa, sua cama estava em chamas e, ao colocar os pés no chão, tem uma desagradável surpresa: o chão estava quente, muito quente. Marcos, então, resolve tomar um banho gelado, sua vontade é passar a noite inteira embaixo do seu chuveiro, iria esvaziar a caixa d’água, mas não sentiria calor nem por um minuto a mais.

A água gelada bate nas costas de Marcos, ele sente um prazer sem igual e observa a água cristalina descer pelo ralo. Eis que a água toma uma tonalidade vermelha e quente. Marcos se assusta e procura um ferimento em suas costas, porém ele estava procurando no lugar errado, a água vermelha e quente vinha do chuveiro. Marcos sai desesperado do banheiro, ainda nu, desce suas escadas e vai parar na sala de estar, onde tenta raciocinar sobre o que está acontecendo É quando, então,  ouve seu nome sendo chamado bem fraquinho...

_ ... Marcos...

Ele está suando, mas por uns segundos esquece do calor, por uns segundos esquece que está banhado por um líquido vermelho, por uns segundos ele apenas escutou o seu nome ser chamado por uma voz conhecida... Então ele volta a si, o susto e adrenalina não o fizeram perceber de primeira que aquilo em seu corpo era sangue, ele nota que o chuveiro ainda está ligado e resolve voltar para verificar... O chão continua muito quente, o sangue em seu corpo fede, seu suor desce rápido e ele não entende o que está acontecendo.
Ao entrar no banheiro ele se assusta, uma mulher está sentada no box em posição de choro,  o chuveiro continua a jogar sangue, caindo todo sobre a mulher, que levanta a cabeça bem devagar e olha para a porta: 

-Por que você fez isso?

O coração de Marcos está acelerado, seu instinto está mandando ele correr, mas suas pernas não obedecem. A mulher então se levanta, ela também está nua, e começa seguir em direção a ele, completamente banhada de sangue. Marcos consegue se descongelar e vai correndo pra garagem, vai sair dessa casa o mais rápido possível. Ao entrar no carro ele saí arrancando sem nem olhar para trás, liga o ar do veículo, mas tudo que ele faz e cuspir vapor, Marcos tenta desligá-lo, sem sucesso, então entra em um terreno baldio e freia, e ao tentar sair do carro ele não consegue: as portas estão trancadas. A mulher então surge no seu banco traseiro, exatamente como estava no banheiro, banhada de sangue.  

... o-o-o que você que quer??? 

- Por que não olha pela janela?

Ao olhar, Marcos vê algo que lhe é impossível, um carro queimado ao seu lado. O carro que ele queimou, o carro em que ele a matou...

-Você pode ter sido inocentado pelos homens...Mas, não por mim. Você ficará preso nesse carro comigo e sentindo calor para todo sempre. Ninguém vai te ouvi gritar... ninguém virá te procurar... Seremos só eu e você... no inferno!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

5 minutos



Como sempre, acordei na praia. Cinco minutos são o suficiente para a tontura passar, é o tempo para o cérebro ficar em ordem novamente. Não posso me dar o luxo de descansar mais do que isso, olho em volta e vejo a minha mochila, tudo que eu preciso está ali. Corro para pegar o ônibus das oito se não tudo estará perdido por hoje, o dia nunca pode ser desperdiçado, ele é minha dádiva divina e é a razão da minha existência.

O trajeto é longo e leva cerca de quatro horas, é tempo o suficiente para dormir um pouco e relaxar, mas o problema é que eu não consigo, não posso perder a minha parada. Uma tempestade está no meu aguardo quando desembarco, a chuva de granizo me machuca, mas não me impede, preciso fazer uma caminhada de uma hora até a estação de trem.

Chego a estação cansado e dolorido, mas a tempo. A viagem de trem é mais rápida, dura cerca de trinta minutos, agora são três horas de caminhada. Se por um lado não tem mais chuva de granizo, por outro tem um sol escaldante. A vantagem é que as minhas roupas secam nesse tempo, afinal, são três horinhas caminhando no meio da selva de concreto. Até que gostaria de pegar um ônibus, táxi, uber, ou o que fosse, mas esse acidente envolvendo três ônibus, duas motos e cinco carros vão engarrafar a avenida por cinco horas, e eu não tenho esse tempo sobrando.

A caminhada me leva à próxima etapa da minha jornada, dessa vez uma mais fácil, apenas mais um ônibus, apenas mais uma hora e estarei em meu destino final.

Quando chego ao local o dia está perfeito, o sol já está se pondo e dando ao céu belíssimos tons de laranja. Ando mais um pouco e então a vejo, sentada no banco da praça e tomando o seu suco favorito, a dor no peito é maior do que tudo.

Criei a máquina do tempo, só que ela me deixou preso aqui para sempre, me fazendo voltar para a praia toda vez que dá a hora certa. Demorei muito para conseguir esse padrão, para descobrir onde ela estaria no dia de hoje e a essa hora, mas finalmente consegui, e agora posso vê-la viva de novo, nem que seja por apenas 5 minutos.

Eu voltei por ela e eu sempre voltarei por ela, são os melhores 5 minutos que eu poderia ter.


E como sempre, acordei na praia...

domingo, 15 de janeiro de 2017

Medo


“- Qual o seu maior medo?”

Marrie se deparou com essa pergunta durante uma conversa com seus amigos. Ela não sabia o que responder, então decidiu pegar outra cerveja.

- Talvez o álcool me ajude a responder essa.

Enquanto ela caminhava para o bar, uma voz surgiu sussurrante em seus ouvidos.

-Sim... Ele vai te ajudar.

A voz era áspera e desconfortável, do tipo bastante desagradável. Marrie olhou a sua volta, mas não conseguiu localizar a origem. Aquelas palavras ficaram em sua cabeça durante boa parte da noite, na hora de ir embora elas não passavam de uma vaga lembrança. Marrie recusou a carona e decidiu levar o carro sozinha, segundo ela, foram apenas 5 latinhas, ela estava perfeitamente bem.

“Trânsito é uma coisa muito séria, não pode haver distrações, eu nunca gostei de rádios em carros, eles só atrapalham” A mãe de Marrie repetia essa frase ao menos umas três vezes durante as reuniões de família. E ela estava absolutamente certa. Pelo menos dessa vez. Ao ligar o rádio com o carro ainda no estacionamento, ele começou a chiar bastante, até que a mesma voz do bar surgiu.

- Marrie... Qual o seu maior medo?

Nervosa, ela desligou o rádio na mesma hora. Não perdeu tempo e saiu logo daquele lugar de uma maneira pouco prudente. Entretanto, a direção álcoolizada de Marrie não durou muito tempo. Foi uma fração de segundos, a distração mínima, e Marrie não prestou atenção no carro desgovernado que vinha em sua direção. Ao tentar desviar ela bateu de frente com um caminhão que vinha na pista ao lado. O carro de Marrie capotou cinco vezes.  Ela só foi acordar no hospital 3 dias depois.

E mesmo depois de quase um mês internada, a voz do rádio não saia de sua cabeça, muito menos a voz no bar.

Durante sua última noite no hospital, Marrie foi acordada por uma voz bastante familiar.

- Acorde... Precisamos conversar.

Não existe sensação na terra que descreva o que ela sentiu naquele momento, o pânico a dominava por completo, ela escondeu a cabeça dentro do cobertor e ficou rezando para a “coisa” ir embora de uma vez. Não deu certo, e ele voltou a falar.

- Fizeram uma pergunta para você naquela noite e eu fiquei curioso pela resposta.

-Qu a a a, qual perr per gunta...??

A voz de Marrie era baixa e quase inaudível, mas a criatura a entendia muito bem.

- Qual o seu maior medo?

Nenhum som.

-Mo mo mo mo...rrerr

A criatura também ficou em silêncio por um tempo.

- E foi preciso quase morrer para descobrir?  Estávamos certos, o álcool ajudou.


Essa é uma pergunta realmente injusta. O medo pode se manifestar das mais diferentes formas durante a vida. Você pode até dizer que não tem medo de morrer, mas ao se deparar com uma situação de perigo, o medo de perder a vida e deixar tudo para trás vem à tona. Naquele momento ele se torna o maior medo da sua vida. Mesmo que você tenha outro. 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Escada em Espiral

Esse texto é antigo, escrevi para um outro blog que fiz parte...esbarrei com ele mexendo no meu HD e resolvi postar. Espero que vocês gostem.



...Ele tentou ignorar, mas ela o chamou ainda mais alto, acabou tendo que voltar para cumprimentá-la.
-Oi, há quanto tempo! Nunca mais o vi por ai...
-Andei viajando – respondeu em um tom meio duvidoso. - ela riu; sabia que ele havia mentido.
-Legal! Foi para onde?
-Na verdade não estava exatamente viajando, estava em Teresópolis...
-E como estão todos por lá? Foi fazer o que lá?
-Bem, bem. Quase não os vi, indo e voltando pro Rio todo dia por causa do trabalho, chegava muito cansado em casa e ia direto dormir. Fui colocar a cabeça no lugar, dar uma descansada, acabei ficando quase três meses. E você?
-To bem! Abri outra loja... Vamos lá pra casa, tomamos um café e colocamos o assunto em dia, ainda moro aqui perto, no mesmo lugar. – Joaquim tentou pensar em alguma coisa pra recusar o convite, mas nada lhe ocorreu , acabou aceitando com um aceno de cabeça.



-Hahahahaha – ela riu no momento em que lhe entregava a xícara – Sabia que você ia se sentar ai. Você sempre sentava ai na escada quando conversávamos madrugada adentro.
-Tem alguma coisa reconfortante na sua escada, nunca soube explicar o que é.
Ela parecia muito confortável com a situação, falava e ria com naturalidade, enquanto Joaquim se esforçava terrivelmente para sorrir e levar o assunto adiante.
-Voltou quando de Tere?
-Hoje mesmo, na parte da manhã – de nada adiantou ter ficado lá tanto tempo pra hoje acabar encontrando com você, ele pensava.
-Sentiu saudade do calor daqui, né? Você ia à praia sempre que podia!
-É verdade e acabei enjoando de subir e descer todo dia, leva-se muito tempo só fazendo isso.
-Tô vendo, não sobrou tempo nem pra você fazer a barba – Joaquim levou a mão no rosto e só então percebeu como estava barbado. De repente assustou-se, Larissa havia repousado a cabeça no seu ombro, ela nunca havia sentado ao seu lado na escada. – Acho que entendi o que você quer dizer com o lance reconfortante que minha escada tem. – Ele terminou o café que restava e com um movimento suave afastou a cabeça dela do seu ombro, deixou a xícara em cima da mesinha de centro e saiu.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Anne



O Coração acelerado.
A sensação ruim.
E a queda.
Acordei.

Levo aquele susto onde quase caio da cama. Minha mão vai imediatamente ao meu peito, parece que meu coração vai explodir de tão rápido que ele bate. Olho para o lado e vejo que Anne não está lá, verifico o relógio em cima da mesinha e ele marca três da manhã. Levanto e saio para procura-la, a casa é grande e antiga, está localizada no alto de uma colina, herdei do meu tio faz menos de um ano e ainda estamos tentando nos acostumar a viver nela. Não encontro Anne no banheiro do segundo andar, nem na cozinha do primeiro. Continuo caminhando pela casa quando começo a sentir  uma onda de frio, aparentemente alguma janela ficou aberta, ou no caso a porta, como acabo de ver, a porta da sala está aberta até o canto e o vento grita para dentro da minha casa. Ao sair, o ar gelado consome todo o meu corpo, fazendo meus pulmões gritarem de tanta dor. Mas nada doeu mais do que ouvir a voz de Anne pedindo socorro logo em seguida. Fui guiado pelos seus gritos até encontra-la.
A casa foi construída na beira de um precipício, não sei a exatidão da altura, mas a queda é fatal, embora não faça diferença nesse momento. Anne já está morta.  

Novamente meu coração acelera. Tenho uma sensação ruim. E vejo a queda.

Anne caiu. Foi jogada do alto do abismo. Mas não acordo.

Uma figura de capuz preto está parada na beira do precipício, sua mão direita segura uma faca que está suja de sangue, o sangue de Anne. Então a figura olha para trás e me vê, mas não consigo ver seu rosto, ela caminha calmamente em minha direção, mas minhas pernas não respondem, não consigo andar, não consigo correr, não consigo gritar, não consigo nada. A faca pinga o sangue de Anne nas minhas terras, as terras que já foram do meu falecido tio. A criatura me pega pelo pescoço e enfia a faca no meu peito.

Meu grito ecoa pelo quarto e Anne acorda assustada. Estou suando frio e com o coração acelerado, Anne me traz um copo com água e eu lhe conto sobre o pesadelo, conto que não conseguia acordar. Então ouço uma voz rouca.

- Quem disse que você acordou?

No lugar de Anne está afigura de capuz preto, eu caio da cama e corro, desço as escadas quase caindo, abro a porta da sala e continuo correndo sem rumo até chegar na beira do precipício novamente, e quando chego lá, a criatura de capuz já está a minha espera. Ela caminha em minha direção novamente, joga o capuz no chão e a luz do luar revela que que Anne é a criatura, eu caio de joelhos e não sei o que dizer, mas Anne sabe.

- Você sentiu prazer me matando e me jogando nesse precipício uma vez, agora eu sinto prazer te jogando nele eternamente, você nunca vai acordar meu amor.

Anne me pega pelo pescoço e meu  coração acelera. Tenho uma sensação ruim, então eu caio.


E acordo...

sábado, 20 de fevereiro de 2016

UM TIRO NO ESCURO





-Eu não posso fazer isso...
-Claro que pode, qualquer um pode fazer isso.
-Não é assim tão simples.
-É só apertar o gatilho, o que tem de complicado nisso?
-Como assim, cara?! É uma vida que está em jogo. Não é só apertar a
porra de um gatilho!
-A vida é superestimada. Se você não puxar esse gatilho, nós nos separamos aqui.
-Você é louco!
-Esse cara promove terror na nossa cidade, e eu sou o louco? Olha, nós não temos provas o suficiente para prendê-lo, e ainda que tivéssemos, as conexões que ele tem fariam essas provas desaparecerem... Levá-lo para delegacia vai resultar apenas em nossa suspensão... E eu não posso deixar um ser desses solto por aí.
-Porra, cara! Se ele fez tudo isso, onde estão os corpos?
-Você pode ficar neste estado de negação o quanto quiser. Mas no fundo, você sabe o que ele faz com as vítimas.
-Foda-se, eu não vou deixar você matar ninguém.
-Então, você não pode matar um psicopata, mas pode matar o seu parceiro?
-Não chegue perto de mim... ou
-Ou o que?
-O que você tá fazendo, cara?
-Facilitando pra você. A arma tá bem onde deveria estar, na minha testa... se você puxar o gatilho, o monstro vive para fazer outras vítimas. Você ganha uma medalha por matar seu parceiro psicopata. E depois... O que você vai fazer? Ignorar o que aconteceu aqui? Ignorar as novas vítimas? Se culpar por não ter feito o que deveria? Mudar de cidade? Largar o emprego? Ué...abaixou a arma?!
-Você tem razão...Mas eu não posso fazer isso. Vá em frente, faça o que tem que fazer.
-Não. Ou você dispara ou sentamos aqui até que ele recobre a consciência para dizer que ele está livre. A escolha é sua. Se vamos fazer isso, você precisa estar envolvido por completo, do contrário vai hesitar de novo.
-Não posso...
-Se fosse o contrário, você acha que ele deixaria você ir embora?
-Não...
-Todos os dias milhares de pessoas nascem e outras milhares morrem, e eu não vejo você celebrando cada um desses nascimentos ou lastimando cada uma dessas mortes.
-Isso porque eu não estou envolvido diretamente com nenhum desses casos.
-Não, é porque lá no fundo você sabe que a vida é superestimada.
-...
-Eu vou embora.
-O que?!
-Te aguardo na porta da delegacia. Lá você me diz se devo dizer: "pegamos o canalha" ou "ele escapou".